top of page

O auto perdão


Perdoar-se a si mesmo é um desafio. Um desafio que precisa ser superado se quer cortar as amarras da culpa e encontrar bem-estar interior e relacional.


Bater o carro, partir algo valioso, cometer um erro no trabalho, ou, ter uma atitude que magoou alguém, entre outros exemplos, gera desconforto e aborrecimento no processo de reparação do erro, mas como se isso não bastasse, temos ainda o desafio de lidarmos connosco perante a falha.


Julgamo-nos? Perdoamo-nos? Punimo-nos? Aceitamo-nos? Condenamo-nos? Criticamo-nos?


Se tivermos um elevado nível de autocrítica, poderemos sentir uma grande dificuldade em lidar com o erro e o sentimento de culpa poderá aumenta exponencialmente.


Vejamos, quando não perdoamos uma pessoa, poderemos nutrir por ela sentimentos negativos, tais como a raiva, desprezo, decepção, desejo de vingança…


Então, quando negamos perdão a nós próprios, nutrimos sentimentos semelhantes auto dirigidos que podem chegar à auto flagelação, baixa auto estima, auto desvalorização, isto porque não conseguimos aceitar o facto de sermos falíveis, pois de facto somos.


A perfeição plena é inatingível! Viver sem errar é impossível.


Então porque sofrer tanto em busca de algo que não é alcançável?

Porquê tanta tortura, quando, sem consciência cometemos um erro, ou, simplesmente, quando não fazemos as coisas exactamente como gostaríamos?


Somos constantemente julgados pelo nosso desempenho, ou seja, pelo que fazemos e não pelo que somos. Neste sentido, é natural que exista uma tendência obsessiva pela busca do desempenho perfeito, para sermos aceites.


Quando falhamos, por instantes deixamos de agradar os outros, deixamos de estar totalmente de acordo com o que exigem de nós em troca de “amor”, “amizade”, “admiração”, “reconhecimento” …

Não é de estranhar que falhar nos apavore e que imediatamente busquemos resolver a questão. Muitas vezes da pior maneira.


Como?


Punimo-nos e culpabilizamo-nos, sentimo-nos inadequados e envergonhados ou então, desvalorizamos o erro e não sentirmos empatia nem por nós, nem pelo outro.


Voltemos ao exercício anterior, o que fará sentir melhor a pessoa que perdoamos? Uma atitude de julgamento e acusação ou uma atitude de compaixão e aceitação plena?


O auto perdão (entre tantas coisas) significa reconhecer que podemos errar e isso não anula, em hipótese alguma, todas as nossas potencialidades e qualidades. Sim, falhar não anula as nossas potencialidades.


Quando nos olhamos com compaixão, fica mais fácil exercitar o auto perdão.


Os erros ensinam-nos preciosas lições que contribuem para nos superarmos, crescermos e tornarmo-nos pessoas mais maduras.


A mudança que desejamos, não provem das autocríticas e acusações, mas, sim da auto-aceitação que requer o auto perdão.


Existem outras variáveis a ter em conta, uma delas é o amor negativo, construído ao logo da nossa infância.


Na ânsia de sermos amados pelos nossos pais, poderemos considerar que não somos amados pelo que somos, mas amados pelo que fazemos.


O amor negativo acaba por gerar aquilo que tanto tememos.


Queremos ser amados, mas recebemos cada vez mais a rejeição. Parece que fazemos, fazemos, voltamos a fazer e nunca sentimos que o que fazemos é suficiente, ou que somos o suficiente.


No amor negativo, nós criamos condições para sermos rejeitados. Perdemos contacto com o que somos. O que se recebe nesses anos de infância, determinará como agiremos no futuro.


O amor negativo deixa-nos paralisados. Na infância o amor negativo é uma defesa, mas na vida adulta é uma prisão do sofrimento da infância, da rejeição, do abandono. Vamos repetindo as mesmas tendências, produzindo a sensação constante de que estamos a fazer algo errado.


Então pensamos, há coisas na vida que não podemos mudar. Por vezes, somos magoados por alguém ou magoamos alguém e prendemo-nos a isso, vitimizando-nos ou vitimizando o outro.


Tornamo-nos pessoas amargas, encerradas em auto culpabilizar-nos ou culpabilizamos os outros. Este processo, causa cada vez mais culpa, e menos perdão fluirá de nós para nós e de nós para os outros. Examinemos a nossa vida e façamos a escolha de abandonar o julgamento sobre nós mesmos e sobre os outros.


O tempo para o auto perdão, é outra variável importante. O contexto também. Necessitamos de tempo para nos encontrar connosco próprios e tempo para que as amarras educacionais e psicológicas se tornem mais flexíveis. Precisamos não ter medo de olhar para dentro de nós, para isso temos que ter tempo para nós, para a reflexão, para a introspecção focada na aprendizagem que o erro nos faculta.


Um contexto que favoreça este processo, facilita o auto perdão, o suporte e uma atitude dos que estão connosco, também de aprendizagem, proporciona condições favoráveis ao auto perdão. Se o contexto for rígido, o desafio aumenta, torna-se mais exigente, mas nunca impossível, pois, por exemplo, em contexto psicoterapêutico o desafio tem maior suporte.


Temos problemas/dificuldades em nos perdoarmos e suportamos o sentimento de culpa, por anos e anos? Temos uma necessidade enorme de encontrar quem somos? É por isso muito importante, livrarmo-nos da sensação da inadequação e de culpabilidade. Somente o nosso eu interior pode alterar este padrão.


Como?


Começar por procurar em nós próprios e aceitar os motivos que nos levaram a agir de um determinado modo, num determinado momento e aprender com o erro, é o primeiro passo.


Depois:

  • Exercer empatia – coloquemo-nos no lugar do outro e procuremos ver e sentir como ele viu e sentiu a situação. Podemos ter sido movidos por sentimentos negativos. Reconheçamos esses sentimentos e façamos uma reflexão sobre os motivos que levaram a essa situação.

  • Não nos perdoarmos é uma vingança contra nós. Expulsar este sentimento é permitir que o facto seja guardado como uma informação, da qual liberto o sentimento de culpa. Aceitemos que erramos e a partir daí, com o que aprendemos desse reconhecimento, construiremos uma vida melhor. Repensemos porque agimos de determinado modo, num determinado momento. Sejamos sinceros connosco.

  • Renunciar as atribuições de culpa. Não sentir mais culpa, mas sim, assumir responsabilidade sobre a melhoria da relação consigo própria e com o outro.

  • Viver o presente: tenha mais tempo para dar amor e receber amor.

O exercício do auto perdão, passa por gerirmos o nosso pensamento, acolhendo não a culpa, mas o que aprendemos com o erro. Centrá-lo não na culpa, mas dando espaço às relações de amor que estabelecemos na intimidade e nas relações de amizade, estabelecendo novos padrões de relacionamento centrados no valor humano e não no desvalor.


Devemos viver cada dia como uma oportunidade para sermos feliz, redesenhar o passado (porque há um novo olhar sobre ele) e um construir um novo futuro.


Perdoarmo-nos, é seremos felizes com as nossas conquistas e aprender com os nossos erros e perdas.


O auto perdão, sustentado numa ação de reconhecimento e responsabilização, é uma atitude de maturidade e é também, uma atitude positiva face à vida, ao próprio e aos outros. É uma competência difícil de ser desenvolvida, mas essencial para alcançar o bem-estar emocional e relacional.


Psicóloga Isabel Morais



bottom of page